sábado, 21 de março de 2009

Poema

Sinto aroma de poesia, café, cigarro e outono...

sexta-feira, 6 de março de 2009

O escritor I & II

Seu nome fora dado pelas freiras pelo qual fora criado. Foi mais um órfão dentre inúmeros outros. Ele era realmente sortudo desde o dia do seu nascimento, pois fora mandado para o menor orfanato da cidade. Um lugar pequeno, numa casa tombada como histórica pela cidade, com a pintura velha e descascada, pois a verba das freiras mal dava pra o sustento dos doze órfãos que cuidavam. Não foram anos muito fáceis todos os dezoito que passara naquele simples lugar, foram anos de dificuldade e privações. Passava grande parte do tempo cuidando da pequena horta de temperos que a madre cultivava.
As freiras lhe tinham muito carinho, talvez pelo fato de crerem que era doente, pelo simples fato de ler todo o tempo em que não estava na horta ou nos horários de reza obrigatórios pelas irmãs. Ao sair do orfanato fora mandado direto procurar um dos poucos beneficiários que ainda cuidava do velho lugar. Este lhe dera um emprego, “nada muito grande”, em suas próprias palavras. Um simples cargo de “office boy”.
Seguiu caminho na empresa. Graças a um curso que fizera durante as férias de verão e pelo ótimo desempenho que tinha nas simples tarefas, fora promovido. Atuava agora sendo o auxiliar do contabilista. “Dentre os cargos inferiores o melhor”, era o pensamento que lhe trazia felicidade, por notar que conseguira crescer mesmo que fosse o mínimo!
Saído de mais um dia cansativo no novo cargo, caminhava assobiando um triste tango pelas ruas, e num momento puramente espontâneo coloca a mão no bolso, da calça jeans surrada de tanto uso, e encontra um papel até então esquecido. Coisas básicas e simples do dia a dia na sua singela lista de compras, arroz, feijão, e a única coisa que lhe trazia a urgência na compra, o sabonete! Enquanto caminhava em direção ao mercado, retira de sua mochila a carteira de couro velha e surrada que ganhara de seu chefe há três natais atrás. Dentro encontra sempre a foto de seu único relacionamento amoroso, uma secretaria loira da firma, os documentos e o mais importante para ele, a nota de dez reais.
Já se fazia tarde quando chegou ao mercado, o crepúsculo estava se fazendo vagarosamente presente. Pegou uma das cestinhas amarelas, que sempre lhe davam vontade de rir, ao imaginar que quem as criou, criou pensando nele. Andou pelos corredores do mercado, comprou o arroz, o feijão, algumas balas e claro o sabonete.
As ruas estavam agora escuras e a lua já se fazia presente, a fila no mercado hoje estava maior que a de costume. Seguiu seu caminho de sempre até a casa da velha senhora do qual alugava um quarto e fazia companhia. Sempre que olhava a fachada da casa sempre se lembrava do orfanato e isso lhe trazia uma gostosa nostalgia. A casa cheirava a mofo e umidade, sempre que entrava a velha senhora de cabelos cor de neve vinha em sua direção rindo, lhe oferecia a janta e perguntava como fora seu dia. Neste dia não foi diferente além do fato de que pegou as compras para guardar.
Ele notou algo estranho no ar, hoje embora tendo feito as mesmas coisas rotineiras, a senhora não aparentava a feição que sempre carregava, hoje estava triste, e os velhos olhos lacrimejavam. Tentou saber o motivo de tal tristeza sem o muito sucesso. Então deixou a pequena sala, seus dois sofás e sua mesa, foi tomar o banho com o sabonete que comprara. Serviu-se de arroz, feijão e batatas e foi para o quarto, deitar seu corpo cansado e terminar de ler o livro que ganhara da "velha".
O dia começou mais quieto que os outros, na manha posterior, não sentiu o aroma do café fresco e nem das torradas que ela preparava para lhe esperar. Naquela noite ela dormiu e não mais acordou. Ele bateu algumas vezes na porta do quarto dela, sem reposta, quando finalmente decidiu entrar. Viu seu corpo branco e enrugado deitado na cama, sem o sinal do ar entrando em seus pulmões.
Tomara conta de todos os encargos fúnebres com prazer e dedicação, pois a “velha” tinha sido a avó que ele não teve. Tentou avisar os parentes do falecimento, mas o máximo que recebeu de retorno foi um “já foi tarde” como resposta! Surpresa grande teve quando descobriu que ela havia deixado em testamento tudo o que tinha à ele. Era realmente pouca coisa, a casa velha, os moveis, e alguns livros velhos e encardidos.
As semanas se arrastavam, agora ele estava como nunca estivera, sozinho. Já fazia um mês da morte dela quando resolveu olhar os livros que ela lhe deixara. “Diários” - lia boquiaberto. Os livros que ela lhe deixara eram de sua própria autoria e mais, eram os seus diários, inúmeros de quase todos os anos que ela vivera. Levou alguns meses até conseguir ler todos, eram incríveis as memórias de uma velha que morrera solitária. Sua vida continuava em sua mesmice mórbida. Nada mudara desde a morte de sua avó, assim considerada.
Passou um ano, selecionando as memórias da velha senhora. Tivera a grande idéia de tentar laçá-los como livro. Buscou dentro todos os livros as memórias que julgou mais “incríveis”. Seu chefe era um homem influente, e agora era a vez dele de ajudar o rapaz a crescer. Apresentou-lhe o editor chefe de uma revista e logo lhe conseguira a editora.
Nos dois meses após o lançamento sua vida virara de cabeça para baixo, estava vendo uma quantidade de dinheiro que jamais vira e ainda, conhecera celebridades que via pela televisão e que jamais pensou em conhecer. Em quatro meses estava riquíssimo como jamais imaginara e estava com um contrato assinado para mais dois livros com a editora que lhe dera a grande chance.
Agora não era mais um “Zé ninguém”, era um homem famoso e conhecido por todos, pois seu livro era o maior Best seller dos últimos dez anos. Ele tinha seu nome estampado em todas as revistas que conhecia e mesmo que nunca ouvira falar, era finalmente alguém. O mais famoso autor do momento, Diego Rosa Munhoz o grande autor da magnífica obra “As memórias de Rosane Valentine – Uma prostituta na década de quarenta”.
Os dez meses passados foram cansativos, tinha muito que pensar e o que criar. Como se não bastasse o curto prazo de um ano para a entrega do primeiro livro previsto no contrato, se deparara com vários contratempos. O mais importante com certeza era o processo que enfrentara nos primeiros meses do lançamento de seu “Best seller”. Usar o nome da mãe de um estimado vereador e “difamá-lo”, como alegado, lhe trouxera problemas catastróficos. Não entendia como não pensou em uma coisa simples como, mudar o nome da “velha”. Expusera aquela família tradicional ao ridículo, desfez as ilusões criadas pelo pai aos filhos, a fim de, esconder a triste verdade. A família Valentine vivera um inferno, não mais sabiam o que era paz, e Diego sentira na pele os incômodos e desagrados de ser seguido vinte e quatro horas, por repórteres que procuravam respostas para perguntas claras do gênero, “um infeliz engano ou uma verdade escondida?”. Diego precisou pagar os melhores advogados e comprar vários promotores e mesmo assim não conseguira se desvincular do problema. Logo o vereador cedeu, o processo seria retirado em troca de um simples apoio político que precisaria, pois tinha intenções de se candidatar para prefeito. O inferno se desfizera com uma breve declaração publica do senhor vereador.
Finalmente estava livre do maior de todos os problemas, e então se deparara com outro de menor proporção, escrever um livro em dois meses. A maior parte da sua mina de ouro ainda se encontrava intocada, seria tão fácil quanto da primeira vez, reunir algumas memórias e mandá-las a seu editor. Passara apenas um mês reunindo mais lembranças das varias aventuras da “velha prostituta”. Mandou-as para o editor e agora queria gozar suas férias até o lançamento dentro de seis meses. Viajou, gastou a herança que Rosane lhe deixara através de suas memórias. Passeou por ruas magníficas, deliciou-se de cappuccinos nos famosos cafés da cidade luz, e no centro romântico do mundo, conheceu Adrienne. Uma francesa de olhos cor de mel, cabelos castanho longo, adoradora de belas artes, filosofia, matérias que ele adorava discutir com base nos livros que lera enquanto estava no orfanato. O pouco inglês que ele estudara tornava possível longas tardes de conversa e então finalmente conquistara uma amiga.
Precisava então voltar, pois estava próxima a data de lançamento de seu novo livro, assim que chegou enviara um convite especial detalhado em ouro à Adrienne, com uma passagem só de vinda ao Brasil. Recebera em resposta um pedido de um exemplar autografado! Estava feliz, sentia-se incrivelmente bem, como nunca se sentira antes. Na véspera do lançamento lá estava ele, no aeroporto, ansioso com um enorme buquê de rosas salmão e uma caixa de chocolates. Conseguiu impressioná-la. A ida de limusine até seu belo apartamento, onde esperava uma mesa dotada de velas, flores e o doce aroma do molho chinês do que ele mesmo preparara para o jantar. Diego via os olhos de Adrienne brilharem, se deliciava com a idéia de agradá-la. A sobremesa se fazia divina, mouse de chocolate com morangos que pareciam recém terem sido colhidos, mas para ele nada foi mais doce que o beijo que ela lhe dera antes de se retirar ao quarto que a esperava.
Uma incrível cerimônia fora preparada para o lançamento de seu novo livro, o glamour pairava naquele ambiente incrível de paredes envelhecidas detalhadas em madeira e prata. Luzes brilhavam, o aroma doce do champagne as conversas e os risos paralelos enchiam o ambiente de alegria e de um charme intocável. Se faziam presentes inúmeras celebridades da literatura local, autores de televisão jornalistas fotógrafos e principalmente Adrienne. Estava completamente apaixonado já não ligava para nada nem mesmo para os olhares deselegantes que recebia de alguns dos escritores que se faziam presentes, olhares estes de reprovação e mesmo repudio. Não estava ligando para mais nada naquele dia, Adrienne era a culpada de sua desatenção com os convidados e com a imprensa, apenas cumprira a ordem de dar alguns autógrafos, e ao terminar abandonara tudo e sumira com Adrienne.
As noticias sobre Diego na semana seguinte foram as mais bombásticas possíveis. Seu livro tinha recebido as piores críticas possíveis o estouro nas vendas parou ainda na primeira semana, sua obra estava sendo chamada de “reprise”. Mesmo com todas as críticas a notícia mais bombástica era ainda a chamada para seu casamento com a bela francesa que lhe roubara o coração. Dentro de dois meses no dia de natal faria a aliança com a magnífica mulher. Recebera pouco dinheiro da venda de seu livro dessa vez e seu contrato fora modificado. As críticas não agradaram em nada a editora, que agora não mais queria as histórias da velha prostituta, mas queria outro livro uma coisa inovadora, empolgante, e principalmente rentável. O estouro que foi seu primeiro livro tinha lhe dado uma segurança financeira que não se precisava se preocupar com renda durante o resto de sua vida e logo, não mediu esforços para sua festa de casamento. Tudo do melhor era o que havia preparado champagne francês, caviar, canapés dignos do jantar de um Deus.
Adrienne assim como ele não tinha família a não ser alguns amigos que deixara na França e ele as freiras que o criaram. Porem ele convidara todos os membros da nobre sociedade para a maior festa do ano, era o que diziam todos os jornais do país. Na catedral se encontravam todos os convidados, do lado de fora a população menos favorecida assistia deslumbrada a festa de casamento do casal. Uma grande produção fora montada com telões, luzes e flores. Tudo estava perfeito quando entrou na igreja. Seu fraque branco reluzia em meio a todos os presentes, a freira que o acompanhava até o altar sorria incansavelmente. A marcha nupcial inicia e todos se levantam para esperar a noiva que nunca apareceu.